sexta-feira, 30 de março de 2012

Temos cotas, mas ainda não temos respeito

Essa semana me perguntaram o que eu achava do sistema de cotas no Brasil, se eu era a favor ou contra. Sempre fui contra, absolutamente contra. Você pode estranhar essa posição justamente pelo fato de eu ser deficiente físico e me "aproveitar" dessas cotas, disponibilizadas em concursos públicos por exemplo. Aliás, foi exatamente após me tornar um deficiente e ver mais de perto como funciona o sistema de cotas no Brasil que me tornei ainda mais avesso a ele. Calma! Guardem as pedras, tentarei explicar o meu ponto de vista.

Sobre as cotas raciais, já utilizadas em algumas universidades brasileiras, o problema e motivo da minha discordia é ainda mais gritante do que no caso dos deficientes. Simplesmente pelo fato de que qualquer pessoa pode se declarar da cor que quiser. Seja preto, branco, amarelo, azul... o que for. Afinal, o único exame possível para definir a origem, a raça de cada pessoa, é pela genética e até onde eu saiba, universidade nenhuma faz isso. O que, na minha opinião, invalida completamente qualquer cota racial fornecida de modo diferente.

Roberta Fragoso Kaufmann, procuradora do Distrito Federal, resume bem o assunto e o que penso a respeito do tema. Aliás, poucas vezes vi alguém com uma opinião tão esclarecida ou que pelo menos tenha conseguido se expressar tão bem sobre o polêmico tema.


Dentre os vários exemplos citados pela procuradora, o do Neguinho da Beija-Flor é perfeito para basear a minha opinião. Segundo ela, através da definição da raça via gota de sangue, concluíu-se que ele possui 70% de descendência européia e apenas 20% africana, restando ainda uma parte indígena. Ou seja, por este critério ele ainda estaria com direito as cotas (afinal ter 1 ou 20% não faz diferença alguma), mas fica claro que não é adequado o método utilizado atualmente. Assim como o Neguinho da Beija-Flor é 70% europeu, um loiro do olho azul pode ser 70% afrodescendente e, assim, também ter direito as cotas. Como é hoje em dia não faz o menor sentido, simples assim.

Sem falar que além dos negros, existem várias outras raças, grupos, categorias... que também sofrem enorme discriminação. Aonde entrariam os indígenas, os obesos, os magros demais, os homossexuais, as mulheres, os nordestinos entre tantos outros? O que parte do povo brasileiro tem de criativo, tem de maldoso. É difícil pensar em um estereótipo e dizer que em determinado momento ele não sofreu algum tipo de preconceito. Não são somente os negros, apesar de serem a grande maioria, que sofrem com o problema. Por isso, o critério deveria ser outro e mais de um, conforme o caso. Para vagas em universidades, se optaria pelo critério da menor renda por exemplo. Afinal, a maioria dos pobres são negros, mas nem todo negro é pobre.

Mas e os deficientes? Nesse caso, defendo uma tese a qual apronfundei mais após me tornar um cadeirante. Em provas de concursos por exemplo, todos os deficientes são colocados "em um mesmo saco". Sejam paraplégicos, tetraplégicos, cegos, surdos, deficientes mentais ou os que tenham apenas um dedo amputado. Qual o problema? O problema é que também não é justo, o sistema de cotas deveria ser mais específico, separando os deficientes por deficiência, por sua capacidade produtiva, ou por qualquer coisa que não colocasse em pé de igualdade um paraplégico com um tetraplégico (as diferenças são muitas) e muito menos um lesado cerebral com um amputado que anda normalmente com uma perna mecânica.

Para tentar exemplificar melhor o que quero dizer vamos pegar um atleta paraolímpico. Com treino, muitos deles superam atletas normais, fazem as mesmas coisas, as vezes até com mais facilidade. Ou seja, é justo colocar este deficiente, que está completamente adaptado a sua deficiência, concorrendo com outro que mal consegue segurar uma caneta? 

Olhando dessa maneira fica claro que as dificuldades são diferentes, cada caso é um caso e jamais deveriam serem colocados em uma mesma condição. Voltando à pergunta: Se sou a favor ou contra as cotas? Como elas são atualmente sou contra, mas acho importante que elas existam e sejam muito mais discutidas e trabalhadas. Assim, quem sabe atinjam o real objetivo de integrar a sociedade entre brancos, negros, ricos, pobres, deficientes ou não. Caso contrário, o tiro continuará saindo pela culatra e as cotas, ao invés de unirem, irão causar ainda mais discórdia entre a população.

"Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito". 
Albert Einsten

Na vitrola:

2 comentários:

Kennedy Carneiro disse...

Bom, Fabito. Descobri seu blog por acaso. E na boa, sempre tive como heróis aqueles caras usam máscaras. Mas depois de meia hora no seu blog descobri que tu se encaixa nessa categoria. "Bora, Fabito", porra :D. Sofro de duas doenças crônicas e sei que elas ainda vão cobrar caro num futuro não muito distante. Te admiro desde já, cara. E que a força esteja com você.

Kennedy Carneiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.